Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21 (2024). A obra propõe o conceito de “cultura de luta antirracista” e discute as noções de fragmentação, capilarização e descentralização do movimento negro. A autora destaca, ainda, o papel das mulheres negras como protagonistas de um processo de reeducação social. Para saber mais, ouça o episódio aqui. E não deixe de acompanhar a nova temporada do Vale Mais!
No 52° episódio de Livros de Classe, Glaucia Konrad, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apresenta o livro Mulheres e trabalhadoras: A presença feminina na constituição do sistema fabril, de Maria Valéria Pena. Publicado em 1981, o livro é resultado da tese de doutorado da autora e analisa o trabalho feminino entre 1850 e 1950.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Márcio Romerito da Silva Arcoverde (Professor do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da UFRPE e Doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Apresentação da atividade
Segmento: Docente da Educação Básica
Unidade Temática: Ensino de História; História Pública
Atividade
Conheça o CdE: Trabalhadores Docentes no Chão de Escola
Márcio Romerito da Silva Arcoverde, professor do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas (UFRPE) e doutorando em História pela PUC-Rio, convida você a conhecer o Chão de Escola (CdE), seção de História Pública do LEHMT/UFRJ dedicada a levar a História Social do Trabalho para dentro da sala de aula.
Desde 2020, o CdE já disponibilizou, no site do LEHMT, 46 publicações — entre sequências didáticas e entrevistas — oferecendo a estudantes da educação básica ferramentas para construírem uma visão crítica sobre o mundo do trabalho, em diálogo com a BNCC e o ensino de História. Esses materiais gratuitos, prontos para uso em diferentes segmentos e alinhados às novas abordagens historiográficas, colocam trabalhadoras e trabalhadores no centro das narrativas.
Se você é professor(a) e produz atividades nessa perspectiva, envie sua sequência didática e fortaleça essa rede de troca e criação coletiva.
Para entrar em contato com a equipe do Chão de Escola, utilize o e-mail: cdelehmt@gmail.com
Chão de Escola
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil. Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
Está no ar o segundo episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
No segundo episódio, conversamos com Alexandre Fortes, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil (2024). A obra propõe um reexame da história do Brasil nas décadas de 1930 e 1940 a partir de diálogos com as novas perspectivas historiográficas internacionais sobre a Segunda Guerra Mundial. Fortes ressalta a efervescência econômica para suprir as necessidades do conflito global. Nesse contexto, a classe trabalhadora esteve no centro das lutas pela redemocratização, justamente por conta de sua experiência no processo de esforço de guerra e das ambiguidades decorrentes da intensificação da superexploração do trabalho, da derrota do nazifascismo e da perspectiva de “descontar o cheque patriótico”. Nesse sentido, a guerra e a ação dos trabalhadores foram fundamentais para redefinir noções de classe, raça e nação. Para saber mais sobre esse assunto, ouça o episódio!
Não esqueça também de compartilhar nas redes sociais e acompanhar os próximos!
Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima –
Vale Mais
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]
ERRATA: O professor se refere, em certo momento, a “janeiro de 1941”, mas o correto é janeiro de 1942, quando começam as transmissões de rádio do Marcondes Filho, coincidindo com a ruptura do Brasil com o Eixo.
Neste episódio de Livros de Classe, Flávia Veras, professora do Instituto Federal do Pará (IFPA), apresenta o livro “Que tenhas teu corpo”: Uma história social da prostituição no Rio de Janeiro das primeiras décadas republicanas, de Cristiana Schettini. Publicado inicialmente em 2006, o livro conta com uma segunda edição, disponível gratuitamente no site da CECULT-Unicamp.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Stefan Berger Professor de História Social e Diretor do Instituto para Movimentos Sociais da Ruhr-Universitaet Bochum
Em 2001, o complexo da mina de carvão Zollverein, incluindo a coqueria, recebeu o status de Patrimônio Mundial da UNESCO — na época, um dos poucos sítios de patrimônio industrial a receber essa distinção máxima. Nos últimos quinze anos, o complexo tem sido a joia da coroa do patrimônio formado pela paisagem industrial no vale do Ruhr, na Alemanha, que dificilmente encontra paralelo em qualquer outra parte do mundo. Dezenas de minas de carvão, siderúrgicas, montes de resíduos, canais, conjuntos habitacionais operários e outras formas materiais e imateriais de patrimônio industrial constituem a base de uma paisagem da memória que está ligada não tanto à história da classe trabalhadora da região, mas sim às suas duas indústrias dominantes — o carvão e o aço, respectivamente.
Zollverein foi fundada em 1847, bem ao lado da linha ferroviária construída no mesmo ano, o que garantia o transporte eficiente de carvão. Uma coqueria foi adicionada em 1866. A mina foi continuamente expandida antes da Primeira Guerra Mundial, e sua capacidade de produção atingiu um novo patamar durante o período, com 2,5 milhões de toneladas de carvão produzidas anualmente. No final dos anos 1920, eram produzidas 12.000 toneladas de carvão por dia, e a Zollverein havia se tornado uma das mais modernas e maiores minas do mundo. Seu design em estilo Bauhaus também lhe garantiu o apelido de “a mina mais bonita do mundo”. Quase milagrosamente, sobreviveu quase ilesa aos pesados bombardeios do Ruhr durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1953, já era novamente a mina mais produtiva do Ruhr e de toda a Alemanha Ocidental, com uma produção anual de 2,4 milhões de toneladas de carvão.
A crise do carvão após 1959 levou a uma redução gradual da capacidade da Zollverein, até seu fechamento em 1986. A coqueria sobreviveu até 1993. Já protegida como patrimônio desde os anos 1980, o local onde, em seu auge, milhares de mineiros trabalharam arduamente, transformou-se em um espaço de patrimônio industrial gerido pela Fundação Zollverein. O Museu do Ruhr, principal museu regional da área do Ruhr, instalou-se na antiga unidade de lavagem de carvão da mina em 2010. Atualmente, cerca de 700.000 visitantes, muitos deles estrangeiros, visitam o museu e o território da antiga mina, onde podem escolher entre uma ampla variedade de visitas guiadas.
O que os visitantes do complexo de Zollverein e de centenas de outros sítios semelhantes aprendem é, acima de tudo, uma história sobre poder econômico, progresso tecnológico, engenhosidade de engenheiros e empreendedores, e sim, os trabalhadores que operavam as minas e forjas também são mencionados, mas como exatamente eles são representados?
Os mineiros de carvão chegaram antes dos trabalhadores das usinas siderúrgicas, e sua história inicial, que remonta ao início da era moderna, recebe bastante atenção. A história dos mineiros de carvão no Ruhr está intimamente ligada ao Estado prussiano, que assumiu o controle da região após as Guerras Napoleônicas. Como funcionários do Estado prussiano, gozavam de um status elevado como profissionais respeitados, com jornada de trabalho de oito horas, salários decentes e condições de trabalho razoáveis. Em troca, eram súditos leais à coroa prussiana. Com a privatização das minas e a liberalização da economia a partir dos anos 1860, os mineiros passaram a enfrentar as incertezas do mercado e viram suas condições de trabalho e salários piorarem, assim como seu status geral na sociedade. Visto que seus apelos ao rei não eram atendidos, eles passaram, com certo atraso, a organizar seus próprios interesses por meio da criação de sindicatos. No entanto, os donos das minas no vale do Ruhr eram absolutamente contrários à sindicalização e faziam de tudo, geralmente com o apoio das autoridades, para manter suas posições de “senhores em sua própria casa”. Assim, foi apenas após mais uma greve fracassada, em 1889, que os mineiros conseguiram fundar uma organização sindical permanente, o chamado Alter Verband. Contudo, os mineiros logo se dividiram ideologicamente entre social-democratas, católicos e até mesmo um pequeno sindicato polonês, que organizava os numerosos mineiros de língua polonesa que haviam migrado para o vale do Ruhr em busca de melhores condições de vida e ali enfrentavam forte discriminação.
A história dos trabalhadores das siderúrgicas é ligeiramente diferente: eles nunca gozaram do tipo de proteção estatal que os mineiros desfrutaram antes da plena ascensão do capitalismo liberal nas décadas de 1860 e 1870. Eles formaram sua primeira organização sindical permanente quase ao mesmo tempo que os mineiros, em 1891. Após o fim das Leis Antissocialistas na Alemanha, em 1890, que haviam reprimido severamente todas as organizações socialistas, os movimentos sindicais prosperaram em geral durante os anos de 1890. No entanto, eles, em grande parte, falharam, especialmente no setor de carvão e aço, em levar os empregadores à mesa de negociações. Estes últimos, porém, não apenas fecharam fileiras contra os sindicatos e buscaram reprimi-los. Eles também tentaram vincular a lealdade dos trabalhadores às suas respectivas empresas, oferecendo a eles uma gama de benefícios e recompensas, incluindo boas moradias, seguros contra acidentes e doenças, planos de aposentadoria, hospitais da empresa, lojas de alimentos subsidiadas, entre outros. As indústrias Krupp, no Ruhr, foi um dos principais exemplos de paternalismo empresarial na Alemanha Imperial. Seus proprietários orgulhavam-se de cuidar de seus trabalhadores em troca da lealdade destes à empresa.
Sob essas condições, não surpreende saber que os Social-Democratas, durante muito tempo, não conseguiram se tornar a força política dominante na região do Ruhr. O Catolicismo Social e o Liberalismo Nacional eram ambos mais influentes, sendo o primeiro especialmente forte entre os trabalhadores católicos da região. Além disso, o extraordinário sucesso econômico da Alemanha Imperial não deixou os trabalhadores alemães indiferentes. Eles começaram a se sentir fortemente alemães no novo Estado-nação, tanto que, após o início da Primeira Guerra Mundial, a grande maioria deles se sentiu incapaz de se opor ao conflito. Até mesmo os Social-Democratas votaram unânimes a favor da guerra no Reichstag alemão em setembro de 1914.
Especialmente no Museu do Ruhr, os visitantes aprendem muito sobre os desdobramentos políticos ligados à história da classe trabalhadora. Assim, descobrem que os Social-Democratas, muito antes de 1914, já estavam divididos quanto ao caminho político a ser seguido — reformista e gradualista ou revolucionário. A guerra logo aprofundou essas divisões, o que acabou levando à cisão do partido. No Ruhr, tanto os Social-Democratas Majoritários (de orientação reformista) quanto os Social-Democratas Independentes (mais revolucionários) tinham seus redutos em diferentes cidades da região. Quando a Revolução Alemã de 1918 pôs fim ao derrotado Império Alemão, ambos os partidos formaram um governo de unidade, que, no entanto, não durou. Quando a ala à esquerda dos Socialistas Independentes, juntamente com outros grupos radicais minoritários, fundaram o Partido Comunista da Alemanha em janeiro de 1919, ele quase não tinha apoio entre os trabalhadores do Ruhr — mas isso mudaria rapidamente.
Se a insurreição comunista do início de 1919 se concentrou em Berlim, onde também foi derrotada, foi o Ruhr que assumiu o centro do palco nos acontecimentos revolucionários de 1920. Após o Kapp Putsch, um golpe da direita, contra a jovem República de Weimar, formou-se na região o chamado “Exército Vermelho do Ruhr”, à medida que os trabalhadores se armaram e buscaram não apenas defender a república contra a direita, mas também empurrá-la mais na direção de uma república social, já que muitos estavam decepcionados com os ganhos limitados proporcionados pela Alemanha republicana. No entanto, a desunião dentro das fileiras do Exército Vermelho do Ruhr e a brutal repressão imposta por paramilitares de direita a serviço da recém-estabelecida república transformaram o “Vermelho do Ruhr” e a chamada “luta do Ruhr” apenas em um episódio da história inicial da República de Weimar — ainda que seja, sem dúvida, um evento sobre o qual aprendemos em locais como o Museu do Ruhr.
Contudo, a história principal logo retorna à trajetória econômica da Alemanha e o papel das indústrias de mineração e siderurgia do Ruhr em impulsionar esse processo. Com a estabilização da república entre 1924 e 1928, parecia que a Alemanha se recuperaria rapidamente da catástrofe que foi a Primeira Guerra Mundial. Zollverein foi modernizada para se tornar uma das maiores e mais modernas minas de carvão do mundo. Isso sinalizava ao mundo que a Alemanha estava de volta como uma das principais economias do mundo. Seu nome patriótico — a união aduaneira alemã (Zollverein), amplamente vista como precursora da unificação alemã em 1871 — parecia ideal para representar essa ascensão das cinzas. No entanto, a Grande Depressão pôs fim a essas esperanças, já que os trabalhadores alemães no Ruhr e em outras partes do país foram os mais atingidos pelo desemprego em massa que acompanhou a pior recessão da história global do século XX.
A ascensão dos nazistas na Alemanha não é ignorada pelo patrimônio da paisagem industrial do Ruhr. Os visitantes aprendem que isso não pode ser reduzido a um resultado da crise econômica, mas que ela certamente foi um fator contribuidor. No entanto, os nazistas sabiam que muitos trabalhadores não estavam convencidos por seu novo regime. Os meios sociais-democratas e católicos foram alguns dos mais resistentes às investidas dos nazistas. O Partido Comunista Alemão havia se tornado o partido comunista mais forte fora da União Soviética nos anos de 1920 e início de 1930. Tudo isso explica por que os Nacional-Socialistas no governo iniciaram uma ofensiva de conquista deliberada voltada aos trabalhadores, especialmente em regiões industriais como o Ruhr e em cidades claramente “vermelhas” como Berlim. Embora essa ofensiva, caracterizada por um bem estar (welfare) racializado e por várias vantagens prometidas aos trabalhadores – de carros populares até férias baratas – tenha sido acompanhada desde o início por terror contra todos aqueles que resistiam aos nazistas, há evidências consideráveis de que o ideal da Volksgemeinschaft (Comunidade Nacional) se mostrou atraente para muitos trabalhadores, incluindo os do Ruhr.
Após outra guerra mundial perdida, com os nazistas derrotados, a região do Ruhr voltou a ser central para permitir que a ascensão econômica da Alemanha se tornasse um motor fundamental para uma história de sucesso europeia, que é a mensagem central da narrativa do patrimônio industrial na Zollverein e no Ruhr de maneira mais geral. A região do Ruhr também foi a razão para a formação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a origem da atual União Europeia. Assim, uma história importante que o patrimônio industrial do Ruhr conta é a de um triunfo: sem o Ruhr, não haveria a ascensão da Alemanha para se tornar a economia mais forte da Europa pouco antes da Primeira Guerra Mundial; sem o Ruhr, não haveria uma ascensão semelhante à fênix das cinzas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e, sem o Ruhr, não haveria União Europeia. O orgulho regional se combina com o orgulho nacional nessa narrativa.
No que diz respeito a sorte dos trabalhadores alemães, a nova reconfiguração das relações industriais significou o estabelecimento de um corporativismo que deu aos sindicatos uma voz importante na administração das empresas. Os conselhos se tornaram instituições poderosas dentro das empresas, com forte representação de sindicalistas nos conselhos administrativos. A democracia no local de trabalho deveria acompanhar a democracia política da República Federal, e um espírito de parceria social entre o capital e o trabalho que beneficiaria ambos. Assim, a história conta que a Alemanha encontrou a fórmula que permitiu à sua economia nacional se tornar uma das mais bem-sucedidas do mundo, com os trabalhadores recebendo sua parte da prosperidade.
Em nenhum lugar a democracia industrial foi mais forte do que na região do Ruhr, onde as autoridades britânicas de ocupação já haviam estabelecido a representação igualitária de trabalhadores e gestão nos conselhos administrativos das indústrias de carvão e aço da região em 1947.
Embora haja preocupação já há alguns anos sobre o crescente número de empregadores que estão deixando o modelo de parceria social e cogestão, e embora os sindicatos sem dúvida tenham se tornado mais fracos, eles continuam sendo organizações poderosas na sociedade alemã, com forte influência sobre a Social-Democracia e a Democracia-Cristã. No que diz respeito à história dos trabalhadores contada em locais como Zollverein, o que é enfatizado é que, no Ruhr, sindicatos, junto com empregadores e o Estado tiveram sucesso em coordenar uma transição do carvão e do aço que não foi apenas ambientalmente sustentável, mas também socialmente justa. Hoje, o Ruhr é uma das regiões mais pobres da Alemanha, mas não se transformou em um “cinturão da ferrugem” alemão. Em comparação com outras regiões do Norte Global dependentes de carvão e aço, o Ruhr foi relativamente bem-sucedido em se reinventar, diversificando sua base industrial e mudando para uma economia voltada para o setor de serviços. Assim, encontramos nesta narrativa outro triunfo — desta vez, o sucesso em lidar com a desindustrialização, sem deixar os trabalhadores para trás, mas protegendo-os das incertezas do mercado livre.
Aqui, forneci um resumo da principal narrativa que os visitantes encontram sobre os trabalhadores do Ruhr quando visitam o complexo Zollverein, especialmente o excelente Museu do Ruhr, localizado na antiga unidade de lavagem de carvão do complexo, e em muitos outros locais do patrimônio industrial da região. Podemos resumir essa narrativa a um duplo sucesso — o da industrialização e o da desindustrialização. No entanto, essa narrativa da memória tem falhado em impedir o avanço do populismo de direita, que tem conquistado apoio substancial entre a classe trabalhadora branca do Ruhr. O Alternative für Deutschland (AfD, Alternativa Para a Alemanha) tem um de seus mais fortes redutos na região do Ruhr. Em Gelsenkirchen, o partido até se tornou a maior força nas recentes eleições gerais do país, em fevereiro de 2025, superando pela primeira vez os Social-Democratas, que haviam detido maiorias nesta cidade desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O sucesso do AfD sinaliza que grandes setores da classe trabalhadora alemã, não apenas no Ruhr, consideram a narrativa do “duplo triunfo” não convincente. Ao contrário, eles sentem que seus sucessos arduamente conquistados na antiga República Federal estão ameaçados e que sua posição social está se deteriorando. E, nessa situação, a narrativa triunfalista do patrimônio industrial soa vazia e sem sentido. Portanto, as forças progressistas na política do Ruhr terão que repensar como reformular sua principal história sobre o passado, para que seja mais convincente no presente e recupere o futuro. A alternativa seria horrível: a ascensão de uma nova direita populista na Alemanha, quase cem anos após o sucesso dos Nazistas.
Museu do Ruhr em Zollverein atualmente.Imagem: Zollverein Foundation.
Tradução: Yasmin Getirana
Para saber mais:
Stefan Berger, ‘Industrial Heritage and the Ambiguities of Nostalgia for an Industrial Past in the Ruhr Valley, Germany’, Labor: Studies in Working Class History 16:1 (2019), pp. 37 – 64.
Stefan Berger, Christian Wicke Umimaginário pós-industrial? A popularização do patrimônio industrial no Ruhr e a representação de sua identidade regional, Estudos Históricos, vol. 7, n. 24, 2014.
Stiftung Zollverein (ed.), The Zollverein World Heritage Site: the Past and Present History of the Zollverein Mining Complex and Coking Plant. Essen: Klartext, 2008.
Bart Zwegers, ‘Zeche Zollverein: from Eyescore to Eyecatcher‘, in: idem, Cultural Heritage in Transition: a Multi-Level Perspective on World Heritage in Germany and the United Kingdom, 1970 – 2000, Cham: Springer, 2022, pp. 131 – 156.
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Mensalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
Claudiane Torres da Silva (Professora de História da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Coordenadora da equipe de História do Pré-Vestibular Social Cecierj e Coordenadora do Chão de Escola LEHMT/UFRJ)
Apresentação da atividade
Título: Convite para publicação no Chão de Escola
Segmento: Docente da Educação Básica
Convite
A equipe editorial da seção Chão de Escola do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho da UFRJ (LEHMT-UFRJ) convida os(as) professores(as) para publicar com uma sequência didática no site https://ghostwhite-beaver-264367.hostingersite.com/category/chao-de-escola/. O site do LEHMT-UFRJ é uma plataforma de história pública e divulgação científica na área de História Social do Trabalho. E em julho de 2020, lançamos a seção Chão de Escola, dedicada ao diálogo entre a produção acadêmica no campo da História Social do Trabalho e os(as) professores(as) da Educação Básica. Ao longo dos últimos anos, o LEHMT-UFRJ criou uma forte cultura de debate coletivo e divulgação pública do conhecimento na área de História Social do Trabalho possibilitando reunir pesquisas com temas relevantes que envolvem trabalhos de professores universitários, professores da Educação Básica e estudantes. A proposta do Chão da Escola é ampliar esse diálogo com sequências didáticas produzidas pelos professores(as) para serem aplicadas em sala de aula da Educação Básica, articulando a pesquisa de excelência da História Social do Trabalho com o Ensino de História. A seção tem tido repercussão bastante positiva tanto no meio acadêmico quanto entre as professoras e professores da Educação Básica e, mensalmente, publicamos uma sequência didática com algum tema atinente à História Social do trabalho para ser trabalhado junto a estudantes de diferentes segmentos de Ensino Fundamental e Médio. Caso você queira fazer parte de nossa rede social e tenha alguma proposta de sequência didática que apresente algum tema caro à História Social do Trabalho, entre em contato conosco. Teremos prazer em orientar a produção da sua contribuição, considerando as características da seção e seus objetivos.
Para entrar em contato com a equipe do Chão de Escola, utilize o e-mail: cdelehmt@gmail.com
Chão de Escola
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil. Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
No 50° episódio de Livros de Classe, Isabelle Pires, pós-doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta o livro “Rio de Janeiro operário: natureza do estado, conjuntura econômica, condições de vida e consciência de classe”, coordendo por Eulália Lobo. A coletânea foi publicada em 1992 e tece uma análise sobre as relações entre o movimento operário e o Estado entre as décadas de 1930 e 1970 no Rio de Janeiro.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Está no ar o primeiro episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos de história pública, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
No episódio de estreia, conversamos com Bruna Portella e Felipe Azevedo, professores da PUC-Rio e coordenadores do projeto “O Poder e a Escravidão“. A iniciativa investiga o papel do Poder Legislativo na sustentação da escravidão no Brasil, propondo uma reflexão crítica sobre a memória oficial e as estruturas de poder que perpetuaram esse sistema — com base na criação de um banco de dados inédito e uma plataforma de divulgação científica.
Ouça, compartilhe e acompanhe os próximos episódios!
Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima –
Vale Mais
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]
Fernando Sarti Ferreira Estagiário de pós-doutorado na UNIRIO
No dia seguinte à rendição alemã, em 8 de maio de 1945, um grupo de operários da fábrica Termocerâmica, localizada no bairro da Penha, em São Paulo, exigiu dos diretores três dias de folga remunerada como recompensa e celebração pela vitória dos Aliados. O episódio, que pode soar completamente inusitado e anedótico, contudo, insere-se em um contexto de crescente agitação trabalhista, que, alguns dias depois, se transformaria no maior movimento grevista já registrado até então na cidade de São Paulo e seus subúrbios. Entre os dias 14 e 28 de maio de 1945, foram deflagradas greves em 341 empresas, com a participação de cerca de 230 mil grevistas. Essas mobilizações, cujos desdobramentos levaram a uma nova explosão de paralisações entre dezembro de 1945 e fevereiro de 1946, são fundamentais para compreendermos como os trabalhadores de São Paulo contribuíram para ampliar o sentido da “democratização – processo que, até então, encontrava-se sequestrado por diversos grupos das classes dominantes que estavam na oposição ou mesmo na base de apoio ao Estado Novo (1937-1945).
As greves de 1945 não são completas desconhecidas, mas seu redimensionamento pela pesquisa histórica tem uma trajetória interessante. A princípio, alguns estudos, balizados pela perspectiva do “populismo”, contrastaram as poucas greves registradas naquele ano com as ocorridas em 1946 para defender a tese de que a aliança entre o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Getúlio Vargas teria servido para conter as mobilizações operárias no tumultuado ano de 1945. Com a queda do ditador, em outubro daquele ano, nas palavras de Francisco Weffort, teria se aberto o dique que continha as reivindicações acumuladas pelos trabalhadores e levado às mobilizações de 1946. No fim dos anos 1970, alguns trabalhos, como os de Edgard Carone e Ricardo Maranhão, questionaram a existência desse mecanismo de contenção, indicando algum tipo de agitação no período, ainda que as greves de 1946 tivessem maior importância nesse contexto. Nos anos 1980 e 1990, mesmo Silvio Alem Frank e Hélio da Costa – autores que voltaram a se debruçar sobre aquela conjuntura e deram maior relevância às greves de maio de 1945 (Alem chega a falar de um “clima de greve geral”)- ainda apontavam como crucial na conjuntura da democratização o pico de mobilizações em fevereiro de 1946. Contudo, a pesquisa nos arquivos da polícia política de São Paulo (DEOPS-SP) sobre o período nos permitiu redimensionar a importância do movimento de maio de 1945 e repensar o sentido das greves de 1946.
Mesmo escrutinando as mais distintas fontes, como a imprensa comercial e de esquerda, relatórios diplomáticos, boletins de organizações patronais, além de depoimento de militantes e sindicalistas, os autores que se debruçaram sobre o período sempre destacaram as dificuldades em se trabalhar com estas greves, principalmente em decorrência das características desses movimentos e do contexto político específico em que ocorreram. Organizadas a partir dos locais de trabalho, à revelia dos sindicatos e da direção do PCB1 – principal organização política que buscava organizar e representar os interesses dos trabalhadores urbanos e que naquele momento defendia a contenção das mobilizações em nome da política de “União Nacional” -, as greves de maio de 1945 ocorreram em um momento em que, apesar do processo de abertura política ter atingido um ponto de não retorno, alguns dos aspectos mais repressivos da ditadura ainda existiam. Em relação à grande imprensa comercial, hegemonizada pelos grupos empresariais e liberais-conservadores, à natural antipatia ao movimento devia-se somar a ação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Se a censura não conseguia mais conter os próceres do liberalismo conservador, como José Américo, Prado Kelly e Eduardo Gomes, ela era efetiva em relação ao movimento dos trabalhadores. Em uma nota publicada no The New York Times, em 12 de abril de 1945, afirmava-se que “(…) as greves têm sido usadas como justificativa para a censura parcial a qual a imprensa de São Paulo está submetida”.2 Ainda assim, movimentos como o dos ferroviários de Campinas e dos trabalhadores da Companhia Docas de Santos, iniciados em março e abril daquele ano, chegaram a ser noticiados.
Ao incipiente e reduzido espaço de expressão que a abertura política concedeu ao protesto operário correspondeu a abundante produção de material pelo DEOPS-SP sobre o tema. Foi a partir de uma extensa pesquisa realizada nos arquivos da polícia política de São Paulo que pudemos encontrar informações mais completas sobre essas mobilizações, cuja verdadeira dimensão e alcance tinham apenas se insinuado para a historiografia.
Talão de registro da prisão de Geraldo Cardoso dos Santos, no dia 21/05/1945 (Prontuário 57.155). Segundo o DEOPS, o operário foi preso por “Incitação de greve e obstar o ingresso de operários não grevistas” na Nadir Figueiredo, fábrica de vidros localizada no bairro do Belenzinho. A greve na Nadir Figueiredo ocorreu entre os dias 14 e 15 de maio, envolvendo 2.200 operários, segundo informações do DEOPS. Geraldo Cardoso foi um dos 508 presos por ocasião das greves de 1945 e 1946 que conseguimos identificar em levantamento feito nos prontuários do DEOPS.
Quando começou a onda de greves que varreu a São Paulo e seus subúrbios em maio de 1945? A resposta não é tão simples. Desde 1944, a polícia política passou a registrar no meio operário a difusão de uma mescla de sentimentos, uma combinação de mal humor com ansiedade. Foram registradas reclamações sobre salários e as péssimas condições de trabalho, mas também uma crescente expectativa em relação ao restabelecimento dos dispositivos da legislação trabalhista suspensos sob a justificativa do Estado de Guerra. A polícia também anotou algumas ações que extrapolaram a reclamação verbal, como pelo menos 12 ações de sabotagem e 8 greves. Contudo, foi a partir de janeiro de 1945 que os relatórios policiais passaram a registrar a ocorrência cada vez mais frequente de paralisações na cidade de São Paulo e no interior do estado. Antes mesmo da explosão de maio, entre janeiro e abril, foram registradas pelo DEOPS 49 greves, envolvendo 39 mil grevistas (a título de comparação, Francisco Weffort, em seu Sindicatos e política, de 1972, havia registrado apenas 8 greves entre abril e outubro de 1945). Não é à toa que, em 10 de abril, em meio ao silêncio sobre as greves, uma “misteriosa” nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apareceu na grande imprensa comercial, com o intuito de lembrar “(…) ao operário paulista que a greve é considerada nos termos da Constituição Federal e das Leis Trabalhistas como recurso anti-social”3.
Como dito acima, o primeiro movimento a ganhar maior relevância, chegando a furar as restrições impostas pela censura, ocorreu em março de 1945, na cidade de Campinas, envolvendo os trabalhadores das oficinas e estações das companhias ferroviárias Mogiana e Paulista. No entanto, foi em abril de 1945, na cidade de Santos, que teve início o movimento que iria arrebentar a onda de mobilizações.
A relação entre a greve dos doqueiros de Santos e a explosão das greves na capital pode ser inferida por três motivos. Em primeiro lugar, por uma questão cronológica. A paralisação na Companhia Docas se encerrou no dia 13 de maio, com a vitória dos trabalhadores. A partir do dia 14 de maio até o dia 18, na capital e em seus subúrbios, conforme o registro da polícia e do Departamento Nacional do Trabalho (DNT), 91 mil trabalhadores cruzaram os braços, paralisando 145 empresas. Entre os dias 19 e 22, enquanto parte das empresas voltavam ao trabalho, outras 196 fábricas e mais 138 mil entraram em greve, com os conflitos na capital e seus subúrbios refluindo apenas nos últimos dias daquele mês.
Na verdade, ainda em junho, o movimento continuaria reverberando, mas no interior. Nos dias 12 e 13 daquele mês, os trabalhadores de Ribeirão Preto desencadearam uma greve geral, marcada por episódios de saques e depredações, o que levou à ocupação da cidade por soldados do Exército. Em segundo lugar, o sucesso dos grevistas em Santos inspirou os trabalhadores à ação. Nas palavras do delegado do DEOPS, Theophilo Dias de Andrada Mesquita, em relatório apresentado no mês de junho de 1945, “São Paulo e seus subúrbios “(…) tiveram, imediatamente de arcar com a consequência da solução dada aos doqueiros”. Ainda segundo o delegado, os trabalhadores alegavam que “(…) entre o dissídio coletivo demorado e incerto, e a greve eficiente e rápida, o operariado deve pleitear suas reivindicações pelos mesmos meios que os doqueiros”. Por fim, o movimento no porto também forneceu a palavra de ordem que iria unificar as mobilizações. Como relata o delegado, os trabalhadores de São Paulo “Pedem 40% de aumento, como os doqueiros”.
Diário da Noite, 22/05/1945. Em destaque, o anúncio do aumento de 40% nos salários dos trabalhadores da indústria têxtil. Mesmo assim, as mobilizações continuaram até o dia 28, como pode-se ver na notícia sobre os conflitos ocorridos na porta da IRFM no bairro da Água Branca.
As greves afetaram das grandes empresas até as pequenas fábricas e oficinas. Apesar de 80% dos grevistas pertencerem a grandes e médios estabelecimentos, com mais de 500 operários, 55% das paralisações ocorreram em empresas com menos de 500 operários. Entre as grandes fábricas e empresas paralisadas figuram estabelecimentos vinculados a grandes corporações nacionais, como as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (IRFM), a Sociedade Anônima Moinho Santista (SAMSA) e o grupo Jafet; antigas e tradicionais fábricas, como a Companhia Antarctica Paulista, o Cotonifício Rodolfo Crespi e a Cerâmica São Caetano; multinacionais, como os frigoríficos Swift e Wilson, a General Motors, a Gessy Lever, a Anderson, Clayton and Company, a Rhodia, a Johnson & Johnson e as de pneumáticos Goodyear e Pirelli; além de alguns daqueles frutos mais recentes da industrialização por substituição de importações, como a gigante Companhia Nitro-Química Brasileira.
Quando lidas à contrapelo – limpando o terreno dos preconceitos de classe e do anticomunismo fanático que marcavam o olhar das autoridades -, as fontes policiais também nos fornecem detalhes preciosos sobre a dinâmica das mobilizações e o repertório de táticas mobilizadas pelos trabalhadores. Por exemplo, na Fiação, Tecelagem e Estamparia Ipiranga Jafet, localizada na Rua Silva Bueno, no bairro do Ipiranga, o agente do DEOPS descreveu a negociação travada entre trabalhadores em greve e a direção da empresa. Segundo o relato, a certa altura da reunião entre os diretores e a comissão, um operário levantou-se e pediu a palavra. Em seguida, tirou do bolso o balancete da empresa publicado no Diário Oficial e leu a cifra relativa ao lucro líquido obtido pelo grupo Jafet no último período. “Era só o que tinha a dizer”, teria dito o operário, cuja declaração, segundo o agente, teria “explodido como uma bomba” na reunião.4 Outro agente do DEOPS, enviado à fábrica da Johnson & Johnson, na Avenida do Estado, no bairro da Mooca, relatou — com certa perplexidade — suspeitar que os trabalhadores do turno da noite, que haviam entrado em greve na madrugada anterior, paralisando as atividades da fábrica, estivessem, talvez, organizados com os operários do turno seguinte.5
As greves de maio de 1945 foram relativamente vitoriosas. Surgidas a partir dos locais de trabalho, à revelia dos sindicatos e sem o respaldo das direções políticas de esquerda, as mobilizações lograram se transformar em vitórias para muitas categorias de trabalhadores, ao arrancar das patronais negociações coletivas. Foram contemplados nesses acordos – assinados entre os sindicatos e as patronais, e mediados pelo Interventor Fernando de Sousa Costa – trabalhadores têxteis e metalúrgicos (as duas categorias foram responsáveis por 47% das greves e por 34% dos grevistas), gráficos, bancários, ferroviários, comerciários, químicos, dos frigoríficos e do papel e papelão. Por fim, deve-se destacar que os aumentos obtidos foram responsáveis por ampliar substancialmente a efetiva aplicação do salário-mínimo industrial em São Paulo: enquanto, em 1944, 37% dos trabalhadores nas indústrias de São Paulo e Santo André recebiam até um salário-mínimo, em 1946 esse percentual caiu para 11%.
No entanto, as greves de maio não podem ser entendidas apenas como um fenômeno exclusivamente paulista, nem como um conflito de ordem econômica ou distributiva – como alguns preferem chamar. Em primeiro lugar, como já havia registrado Edgard Carone, ocorreram importantes mobilizações de trabalhadores em outras regiões do país, como no Rio Grande do Sul, em abril, e no Rio de Janeiro, em agosto e setembro. Em segundo lugar, deve-se destacar que os grevistas tiveram um papel decisivo no processo de abertura política ao derrubar, na prática, a legislação antigreve imposta pelo Estado Novo. O movimento foi tão expressivo que, diante de uma nova onda de greves com potencial de se espalhar e se articular por todo o país – como efetivamente ocorreu na greve na Light e na dos bancários-, o presidente recém-eleito, Eurico Gaspar Dutra, decidiu editar o Decreto-Lei nº 9.070, em março de 1946. A nova legislação, conhecida como “Lei Antigreve”, só não foi mais discricionária do que a própria Constituição de 1937. A onda repressiva completou-se em 1947, quando o Ministério do Trabalho interveio em mais de 400 sindicatos, a recém-criada Confederação Geral dos Trabalhadores foi colocada na ilegalidade, e o Tribunal Superior Eleitoral cassou o PCB.
Assim, no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial e da desagregação da ditadura do Estado Novo, as greves de maio e o renascimento do movimento sindical articularam-se a uma série de outras manifestações – como o crescimento do PCB e a criação dos Comitês Democráticos, o surgimento do movimento Queremista e a convergência desses movimentos na luta em defesa da Constituinte –, compondo o que o historiador David Ricardo de Sousa Ribeiro identificou como “uma terceira via para a democracia” e que “não era necessariamente pelo alto”. Um caminho cujo horizonte apontava para “(…) concepções de democracia diferentes daquelas propostas pelas elites”, em que os trabalhadores vislumbraram a possibilidade de ingressar como sujeitos autônomos na cena política, além de garantir e ampliar seus direitos políticos e sociais. A altivez com que os trabalhadores da Termocerâmica ou da Jafet interpelaram seus patrões, na verdade, expressava muito mais do que a simples euforia pelo fim da guerra ou o mal-estar causado pela intensificação da exploração do trabalho.
Ao fim, mesmo que esse caminho tenha sido frustrado – principalmente a partir da onda repressiva desencadeada pelo governo Dutra, prolongada, em maior ou menor grau, pelos governos seguintes até a inflexão representada pelo golpe de 1964 -, é preciso salientar duas consequências dessas mobilizações. Em primeiro lugar, a irrupção definitiva da classe trabalhadora no cenário político nacional, como sujeito de primeira importância. Em segundo lugar, como desdobramento inseparável da primeira, se algo houve de democrático na República de 1946, isso se deveu, em grande parte, ao fato de ela ter sido temperada na sua gestação e ao longo de sua história, pelas ações das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros.
Greves e grevistas em São Paulo e seus subúrbios, 1945-1946. Fonte: Elaboração própria a partir do Banco de Dados de Greves (BDG). APESP. “Planta da Cidade de São Paulo e Municípios Circunvizinhos”, sem autor. São Paulo, 1943.
Notas
1É preciso destacar que, apesar das diretrizes adotadas pela direção do PCB, isso não significou que militantes e simpatizantes do partido não tenham tomado parte e até mesmo organizado essas paralisações. Desde o trabalho de Ricardo Maranhão, passando por outros autores, como Hélio da Costa e Marco Aurélio Santana, a divergência entre a direção do partido e os militantes sindicais e de base, especialmente neste período, tem se tornado cada vez mais evidente. Por sua vez, a partir dos resultados parciais de um levantamento ainda em construção feito a partir prontuários individuais do DEOPS, foi possível identificar que as mobilizações de 1945 e 1946 podem ter sido uma espécie de “batismo de fogo” para uma nova geração de militantes comunistas. 2“POLITICS is charged in Brazilian strikes”. The New York Times, April 12, 1945 3“SECRETARIA de Segurança Pública”, OESP, 10 de abril de 1945. 4APESP.DEOPS. Arquivo Geral. “Informamos na presente sobre as greves havidas nesta capital havendo a possibilidade de existir elementos que as insuflem”. 29/05/1945. 43-Z-0-001. 5APESP.DEOPS. Arquivo Geral. “Greve marcada para amanhã na Sociedade Anônima Johnson & Johnson do Brasil”, 17/05/1945, 43-Z-0-031.
PARA SABER MAIS:
FERREIRA, Fernando Sarti. A onda de greves em São Paulo, 1945-1946: uma abordagem quantitativa. Revista de História, São Paulo, n. 183, p. 1–31, 2024
ALEM, Sílvio Frank, Os trabalhadores e a redemocratização. Campinas: Unicamp, 1981. Dissertação de Mestrado
COSTA, Hélio da. Em busca da memória – comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-guerra, São Paulo: Editora Página Aberta, 1995
NEGRO, Antonio L. e FONTES, Paulo, “Trabalhadores em São Paulo: ainda um caso de polícia. O acervo do DEOPS paulista e o movimento sindical”. In: Maria Aparecida de Aquino et al. (orgs.), No coração das trevas: o DEOPS/SP visto por dentro, São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001, pp. 157-179
RIBEIRO, David Ricardo Sousa, A transição para a democracia no Brasil (1943-1956) – O PCB e a construção de um caminho alternativo. São Paulo: Alameda, 2023
Crédito da imagem de capa: A Gazeta, 19/05/1945. Em meio à explosão das greves, autoridades e a FIESP anunciam a decisão de promover o aumento generalizado de salários. Os grevistas venceram.
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